CAPÍTULO - 12
VALORES MORAIS DA COMUNIDADE
1. A Família Peralta, como toda a gente do lugar, prezavam muito alguns
valores morais e a convivência comunitária.
Diz Leite de Vasconcelos no início do Século XX (*) que as famílias da Região da Gândara eram muito alegres e gostavam muito de cantar. Tinha razão.
Esses valores mantinham a autoestima e a autoconfiança das pessoas e a coesão social.
Estimulavam um ambiente de confiança, respeito mútuo e uma certa e alegre altivez das pessoas.
O Cristianismo, na Região, parece vir de muito longe. Na Região havia uma espiritualidade profunda e vivencial, muito vinculada ao empreendedorismo do cotidiano. Era um Cristianismo pragmático e paradigmático.
A Lei do amor e do respeito mútuos, e a solidariedade humana, levavam a um espírito generalizado de mútua colaboração. Quando alguém precisava, sempre alguém ia ajudar. Mas cada um mantinha plena soberania no seu lar.
2. Quando, no verão, havia incêndios, ao primeiro grito, tocavam os sinos
da Igreja, em sinal de alarme e, quase em simultâneo, de toda a parte as pessoas acorriam com baldes de água para apagar o fogo.
Lembro-me, que, um dia, um irmão pequeno acendeu um fósforo no telheiro da casa da Avó. Pegou fogo. O menino se escondeu apavorado. Quem gritou “fogo” foram os vizinhos. A vizinhança apagou o fogo e salvou o menino. A nossa família estava ausente.
Para incêndios de grandes proporções, eram acionados os Bombeiros Voluntários. Esta Instituição era composta por rapazes que, voluntariamente , sem qualquer salários, em caso de incêndio, deixavam tudo e corriam para salvar vidas e o patrimônio do próximo. Belos atos de solidariedade humana.
3. A solidariedade humana manifestava-se também no âmbito econômico. Quem precisava de dinheiro, para atender a problemas graves, doenças ou algo similar, quem tinha dinheiro disponível, emprestava-o, sem cobrar juros ou algo parecido. A usura era algo impensável.
Joaquim teve doenças graves com a esposa e com seu segundo filho. O tio Abel Bechina emprestou-lhe todo o dinheiro de que precisou. Assim pode preservar a vida da esposa e do filho.
Como ficou difícil de pagar, Abel disse-lhe: “Não te apresses... Não te apertes. Só me pagues, quando puderes, quando o dinheiro não te fizer falta. Está em boas mãos.
A conta foi saldada anos depois. Havia confiança mútua e solidária entre as pessoas.
4. O Trabalho que Constrói
O trabalho era outro valor da Comunidade. Poder trabalhar era honroso. Quem não podia trabalhar por doença, se entristecia por isso.
O trabalho não era visto como castigo, mas como parte da condição humana. Levava à autorrealização, como pessoa útil, na vida. Não poder trabalhar é que era sentido como castigo, pela pessoa fragilizada.
As Famílias se preparavam para terem muitos filhos. Os filhos eram todos como benção.
As casas, no modelo “Casa Gandaresa” eram muito amplas, com pátio central.
As construções das casas via de regra, eram feitas pelo sistema “mutirão”, com a colaboração, em braços de todos os amigos mais chegados.
5. O fio de bigode ou da Barba
Os compromissos das pessoas eram garantidos pela palavra e pelos fios de barba. Palavra dada era palavra garantida.
Não precisava de declaração em Cartório. Quando se pedia uma garantia, os homens arrancavam um fio de barba, e davam-no como garantia. Todos sabiam que a garantia era para valer, e seria dada como válida, para sempre.
6. As pessoas eram solidárias, na saúde e na doença. Quando um vizinho
adoecia, logo os outros se dispunham a ajudar, no que fosse preciso. Ofereciam frangos para fazer caldo de galinha, que era considerado como algo que faz bem às pessoas adoentadas.
Em caso de morte, algum dos vizinhos se oferecia para ajudar a gerenciar a casa: fazer comida, cuidar das crianças e do gado.
O velório e a despedida era feito em casa, no seio da Família.
A Sala Principal da Casa, chamada “Sala do Senhor” servia também para as despedidas de quem partia para sempre. Era parte da Família, sempre. A morte era vista comoparte da existência humana; como passagem.
7. Por outro lado, fora casos excepcionais, ninguém se intrometia na vida alheia. Cada um decidia o que bem quisesse e como quisesse.
A honra das pessoas, a responsabilidade social e benquerença, era algo que todos preservavam.
Destas atitudes matriciais, decorrem todos os valores humanos e sócio- culturais que ornam a vida das pessoas.
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(*) José Leite de Vasconcelos – Etnografia Portuguesa, Vol. III. Lisboa – Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1941
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