CAPÍTULO - 09
SAGA DE UMA FAMÍLIA
LUMIÃO E A AVENTURA NO MAR
I - Arte Xávega - Pesca Marítima Artesanal
1. Umas das marcas as Família Peralta sempre foi sua relação com o mar, o Oceano Atlântico.
Na Costa Nova, belíssima Vila Balneária, sempre passávamos 15 dias, nas Férias Grandes, entre o final de Junho a meio de Setembro.
A mãe, com os menores, desde que me lembro, até a partida do pai, ficava 30 dias na praia, com a avó Florinda e a tia Gracinda. O Pai alugava um quarto, na pousada da Dona Henriqueta, uma senhora muito gentil.
Os maiores ficavam 15 dias cada um, revezando-se.
Mar sempre bravo. Perigoso. Ondas altas, na arrebentação.
Água sempre gelada. Praia muito saudável. Areia Grossa. Muitas Conchas.
2. O que mais nos impressionava era ver a pesca artesanal da sardinha, pela Arte Xávega.
Ficávamos deslumbrados ao ver os bois puxarem o barco até à arrebentação.
Os barcos deslizavam, em cima de roletes de tronco de árvore, em movimentos precisos e calculados.
O maior espetáculo vinha em seguida: em poucos minutos um grupo de homens precisava empurrar o barco para o mar, no momento exato de repuxo da onda, atendendo a um grito de ordem certeiro “Jááá...” Não podia se perder nem um segundo.
Um segundo podia ser fatal, na luta dos homens contra a fúria das ondas.
Um grupo de homens, no barco, trabalhavam ao remo e ao leme; outros fora do barco, com varas compridas, empurravam, de longe, o barco.
Todos, num esforço titânico e rápido, disputavam força e habilidade, com as ondas bravias. Abriam, à força, a entrada do barco no mar.
Presenciávamos alguns momentos inquietantes de disputa das forças e estratégias humanas, contra as forças implacáveis do Oceano.
O barco e os seus pescadores eram violentamente repelidos pelas ondas bravias.
O mar parecia dar um recado ameaçador:
“Mar é para peixe; a terra é para os terráqueos. Não transijam seus limites!”.
Mas os humanos precisavam do mar para sobreviver. Ousadia não lhes faltava.
Com a disputa, entre a força das ondas e a força de vontade dos pescadores de penetrar nos domínios do Oceano, via-se o barco ziguezagueando, baloiçando, na fluidez da água, até embicar nas ondas que o repeliam.
Parecia um touro bravo atacando o toureiro... O mar bravo, contra o barco ousado.
3. Quando o barco mergulhava atrás da primeira onda, em manobra certeira e rápida dos remadores, na praia, todos respiravam aliviados.
As portas do mar, nessa muralha irrequieta, estavam vencidas. Algumas mulheres observavam de longe, preocupadas, com medo de perder seus filhos e/ou maridos. Iam ao seu destino. Iam buscar, no mar, o seu sustento, o sustento do seu lar, e o alimento do povo.
“Que voltem cedo e bem!” rezavam.
E o barco, levando as redes, vai singrando o mar, altivo e destemido.
É parte da luta incessante pela sobrevivência: uns aram a terra com o arado, outros aram os mares, com seus barcos. É a milenar saga humana, em busca de melhores condições de vida.
Sofrer e lutar faz parte integrante da condição humana. Ninguém pode se omitir.
Cada um faça a sua parte e o mundo terá paz.
No tempo da pesca, há sempre peixe farto, na mesa do povo. Além do peixe que consumiam, diariamente, as famílias salgavam uma porção para consumir, passada a temporada da pesca.
4. E lá vão os homens, destemidos e persistentes... Lá vão, mar a dentro, até se perderem de vista. Vão lançar as redes no alto mar.
Lá as deixam, imersas nas águas, sustentadas por grandes boias de cortiça.
Nas redes, estendidas em arco, vão sendo presos os cardumes de peixe, que pela costa portuguesa vão passando. Os pequenos peixes têm passagem livre pelas fendas da rede, para continuarem a viver. Os maiores aí ficam enleados.
Algumas horas mais tarde (08 horas?) começa a etapa final, na praia. Engatavam-se algumas juntas de bois, que puxavam as redes, pela corda presa na praia.
A movimentação das juntas de bois e o rodízio das mesmas, do começo para o fim da linha, era algo que encantava os olhos da garotada.
Era de espantar quando se via toda a força de tantos bois, ceder à fúria do mar. Quando alguma onda mais forte impelia a rede para dentro do Oceano, em alto mar, os bois paravam ou até recuavam alguns passos, para, em seguida seguirem em frente, num vai-e-vem contínuo, até a rede chegar à praia, abarrotada de peixes. Se os bois não cedessem, a rede poderia estourar, vencida pela força bruta das ondas do mar.
II – AGITAÇÃO PÓS-PESCARIA
5. Chegada a rede à praia, carregada de peixes. Imensa alegria se estampava, no rosto daquela gente.
As gaivotas aproximam-se e sobrevoam, pegando peixes que conseguiam retornar ao mar.
Para os pescadores e suas famílias, o dia estava ganho.
Para os compradores de peixe, estava garantido o que poderiam comprar e levar para casa .
As peixarias levariam o peixe para vender nas vilas.
Os almocreves carregariam seus burros e suas mulas, para irem vender de porta em porta, por vilas e aldeias.
Outros vendiam o peixe em caminhões, também de porta em porta.
As varinas de Aveiro vendiam o peixe pelas cidades, com a cesta à cabeça.
Quando a pescaria era escassa, era tristeza geral...
6. Enfim, a pesca na Costa Nova, hoje na Vagueira, movimenta toda a região, distribuindo o alimento do povo: a sardinha (e que sardinha!) o carapau, etc, etc.
Fui, muitas vezes, à Costa Nova e à Vagueira, quando era adolescente (nos anos 50), a pé, com meus irmãos maiores, passear e comprar peixe. Ia principalmente com o João e/ou com o Armando.
Atravessávamos o areão, atravessávamos a floresta do governo – os pinhais, atravessávamos a ria a vau, em maré baixa. E lá estávamos no mar.
Tempo bom! Tempo de sonho! Tempo de Aventura! Nada de Novo, debaixo de sol. Todos os nossos tempos de vida são tempos de sonhos e de aventura.
Nunca mais deixei de sonhar, de ousar e de me aventurar.
Dentro de meu sonho, mora um pescador e um semeador. Em meu subconsciente há sempre um barco a navegar.
A pesca artesanal da sardinha, atividade multissecular, é uma bela alegoria da vida, para quem quiser interpretar os sinais...
Para saber mais : veja o vídeo: (clique)
Texto: Meu Barco sou Eu.
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