quarta-feira, 1 de setembro de 2010

5

CAPÍTULO - 05
A CASA GANDARESA
MODELO DE ARQUITETURA REGIONAL

I
ARTICULAÇÃO DA VIDA DOMÉSTICA

1. A casa onde nasceu, se  criou e viveu  a família Peralta, até o início de fevereiro de 1956, foi uma casa de modelo  muito especial.
Seguia o padrão comum da região: CASA GANDARESA, que predominava na faixa atlântica, entre Aveiro e Mira, até Cantanhede, no entorno da Ria de Aveiro.
A Casa Gandaresa foi criada, ao longo dos séculos, como um estilo e uma filosofia de habitação muito especial, adequado a uma vida saudável, serena, confortável, em região agrícola. Garantia segurança e articulação da vida doméstica.
O epicentro desse estilo de  habitação parece ser o Concelho de Vagos. Alguns estudiosos afirmam que tal estilo de casas  é de inspiração romana e mourista.
Alguns chamam-lhe casa-pátio, porque toda a residência, incluindo os currais dos animais, distribuem-se em torno de um pátio central.

2. Os mouros costumavam fazer conjuntos de casas, com um só portão de acesso, para segurança, e um grande pátio central, onde o povo vivia e se reunia. Uma espécie de vila moderna. Vemos esse estilo em diversas regiões de Portugal e de Espanha.
A Casa-pátio assemelha-se  também a  certas residências romanas:
As dependências da casa distribuem-se em torno de um pátio. Seguem  o mesmo modelo, muitos conventos, com pátio interno - cláustro,  onde os freis,  se reúnem para descansar e para meditar, em plena segurança e sem serem incomodados ou perturbados.
A Casa Gandaresa mantém a segurança. Os habitantes  da casa ficam  longe  dos olhares indiscretos de quem passa. Garante privacidade.

A Casa Gandaresa é feita de adobes de terra ou de barro, da região, usando cal para dar liga e mais resistência. É uma casa muito econômica, adequada aos materiais disponíveis na região. Usa, exclusivamente, material local, areia, barro, pinho, etc.
É uma solução muito prática, econômica e sadia. Mantém a casa sempre fresca  e saudável.


3. A publicidade de outros produtos de construção, muito mais caros e menos saudáveis, vai fazendo as pessoas abandonarem o modelo de Casa Gandaresa. Isto significa um alto prejuízo e a paulatina e quase irreversível destruição de um Grande Patrimônio Cultural da região.
Muitos  já olham a Casa Gandaresa como algo arcaico. É uma pena. O consumismo cega as pessoas e destrói tesouros. Faz as pessoas trocarem “ouro” por “metal cromado”.
As pessoas precisam estudar e avaliar melhor essa tendência destrutiva de que mais tarde as futuras gerações lamentarão, deplorando a estupidez das pessoas “modernoides”. É uma clara  decorrência de um vazio de inteligência e bom gosto, que se submete a modismos consumistas.
Para não se perder mais este fato da memória regional, é de esperar que os órgãos de opinião e as escolas de arquitetura esclareçam a opinião pública, em campanhas sólidas e com argumentos convincentes. Precisamos saber preservar os nossos valores e não apenas macaquiar modelos alheios.
A Casa Gandaresa faz parte da herança Cultural de nossa região. Precisa ser preservada. Apenas deve ser adequada e nunca dilapidada e esquecida.

II
MODELO DA CASA GANDARESA
            4. No livro “Lumião – Tempos do Arco da Velha”, do arquiteto  Lombomiense, João Carlos  F. Sarabando, traz um capítulo muito sugestivo e completo sobre a Casa Gandaresa. Consulte-o.
            Aqui vou descrever apenas a Casa Gandaresa, construída por Joaquim e Olívia, certamente com a ajuda dos amigos, em regime de mutirão, como era  costume, no lugar.
Calculo por estimativa, que a casa total, incluindo o pátio, deveria ocupar, aproximadamente, 1.500 m².
A área total do terreno: incluindo casa, eira e quintal, por estimativa, penso que  tinha um total aproximado de  3.000m². (a conferir)

5. A nossa Casa Gandaresa forma dois L: o L onde estão os espaços das pessoas: sala do senhor, quarto da rua, quarto dos pais, quarto das cachopas, sala de mesa grande, cozinha de dentro, forno, cozinha de fora , alpendre, e ainda celeiro , onde se localizava a adeja e a salgadeira, curral de bois, curral de vacas, curral de porcos, galinheiro, pombal, retrete, cobertura de parreiras.
Fora do conjunto, no quintal, ficava  a eira, o depósito, o cabanal, as medes de palha, o poço, o tanque, canteiros de flores, árvores frutíferas, corrimão de parreiras à vota do quintal, espaço de escapadelas, etc.
Mais ou menos a metade do quintal era espaço de plantação sazonal: milho, feijão, batata, etc.
A Casa Gandaresa segue um modelo muito lógico, muito prático e muito saudável.
A fotografia abaixo é, exatamente, a casa  onde nasceram os oito irmãos Peralta. Muito bonita e muito simples e funcional.
A Casa, o quintal, a rua, as famílias, o borralho/lareira,  os animais, o pátio, o pomar, a eira, as parreiras, o cabanal, tudo são lembranças agradáveis que fertilizam nossa mente enriquecida.

São elementos constitutivos de uma sociedade com uma vida mais  saudável e mais serena, integrada com a natureza.

  DONA BERLENGAS
1.    Todos os oito irmãos nascemos nesta casa, com a ajuda de uma
parteira, muito conhecida e muito prática. Seu nome:  BERLENGAS. Até a década de 50, ela assistia quase todos os partos da região. Segundo consta, nunca cobrou algo pelo seu serviço. Era uma mulher devota à comunidade. Muito gentil, serviçal e prestativa. Era também uma  espécie de curandeira. Orientava as pessoas. Não indicava remédios. Só produtos caseiros. Havia na região outras parteiras e “curadores” através de produtos naturais.
Há alguns anos, o Jornal “Terra de Vagos” fez uma pequena matéria sobre a benemérita parteira. Merece palmas.
Se houver gente agradecida na região, penso que Dona BARLENGAS merecia, ser lembrada com uma estátua, em memória do bem que fez a tantos milhares de mães e filhos. Deveria, ao menos, ser nome de rua, como paradigma  de solidariedade, para as gerações futuras.
No tempo, nosso médico de família, que nos atendia, sempre prestimoso, era o sr. Dr. Santos, que morava em Sosa, e era muito querido na região. Era pago anualmente. Mas,  na hora do parto, as mães chamavam Dona Barlengas. Honra lhe seja feita.

7. Todo esse ambiente inspirador faz lembrar um poema, do poeta brasileiro, romântico, Casimiro de Abreu, filhos de pais portugueses:


MEUS OITO ANOS
                                  Casimiro de Abreu
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar - é lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!  

O borralho me faz lembrar as longas noites de inverno,  em que todos nos reuníamos, sentados  em bancos, no borralho, em torno do fogo. Os pais e os avós nos contavam infindáveis histórias da carochinha, contos e lendas populares.

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